(Tributo a Rimbaud e à Ilha de Vitória)
Livre das amarras, da carga e dos tripulantes, cheio de si e de nada, o barco cambaleante lança-se a aventuras no dorso das marés.
Escoltado por ventos, nas escorrências azuis, afeiçoa-se à deriva, sorve as cores do ocaso, mergulha na poesia.
Nas plácidas noites sem cor, com delírios poéticos, o solitário viajor vislumbra ondulantes campos de lírios balouçando ao som das liras.
Ao fragor das negras vagas, almeja rutilantes auroras, embala-se na vertigem das águas e se deixa levar pelo sono.
Desperta acariciado por branda brisa, com aromas de terra firme, e vislumbra, nos debruns das montanhas, a silhueta do monte Mestre Álvaro.
Ébrio de contentamento, o barco bêbado deixa-se aportar prazerosamente na Ilha do Mel. Atraca-se nas bridas do arco-íris e se deixa embriagar, ainda mais, com a doçura dessa ilha.
no campanário
do alto da colina
quatro fenestras
desvelam a imensidão
ao Sul
palmeiras imperiais
velam há séculos
o adro da igreja
ao Norte
tumultuado encontro
do rio Reis Magos
com o oceano
a Leste
céu e mar
mesclam-se de cor infinita
a Oeste
montanhas misteriosas
debruam o horizonte
do alto do campanário
olhares veranistas
tentam registrar
a brisa nas palmeiras
o rumor das águas
o calor da praia
o frescor das montanhas...
sinestesias que se furtam às câmeras
cravado no topo da penha
exposto aos quatro ventos
posta-se o convento
no alto do penedo
velhas taramelas fecham
segredos seculares
coberto com verde manto do entorno
sentinela jesuítica
vela um Estado que é santo
o sol acende o dia
a noite apaga o sol
arrebol
o poente ponteia
obscuros clarões
em ocasiões de ocaso
o ocaso esconde
o lume do sol
e as pegadas do dia
na escuridão
do ventre da noite
brotam estrelinhações
na Praia de Camburi
um velho solitário
caminha lentamente
peregrina dentro de si
a escutar o silêncio
a entreter o nada
definha-se lentamente
com rações de lembranças
e migalhas de afetos
com manias de avareza
chora uma lágrima a cada vez
por precaução
Mergulho na baía
vasculho profundezas abissais
em busca de pérolas lexicais
para embelezar essa ilha
Percorro
campos semânticos
e florestas literárias
desbastando a sintaxe
colhendo versos
para louvar essa ilha
Esforços vãos
os versos se vão
As palavras me escapam
o poema empaca
então
de mãos vazias
e coração pleno
dedico à Vitória
esses versos dispersos
Josina Nunes Drumond é escritora, poeta, professora, pesquisadora, tradutora e artista plástica. Ocupa a cadeira 32 da Academia Espírito-santense de Letras.